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Vozes da Segurança - Histórias Reais

“O que começa errado, termina errado”

05/10/2023
Foto: Lucas Hallel

Anderson Nunes Machado, aos 33 anos, teve sua vida transformada por conta de um acidente de trabalho e enfrentou sequelas físicas e psicológicas. Hoje, ele conta sua história na esperança de servir como alerta para outros trabalhadores.

Minha vida inteira foi dedicada à indústria. Com 20 anos me formei em Ajustagem Mecânica pelo SENAI, fui contratado por uma empresa da área de mineração, emendei curso de Caldeiraria e segui com especificações no ramo de soldas. Comecei como Meio Oficial Mecânico e fui subindo de cargo ao longo dos anos, até me tornar Mecânico Especialista. E no auge da minha carreira, com um salário que possibilitava dar uma vida confortável para minha esposa e filha, sofri um grave acidente de trabalho.

Eu estava fazendo a manutenção em uma ponte rolante. Para quem não sabe, é uma máquina semelhante a uma ponte, porém funciona como um guindaste que levanta carga e se desloca sobre trilhos ao longo de um galpão. Esse equipamento é capaz de carregar materiais pesados sob o comando do controle remoto ou do trabalhador alocado em um carrinho sobre ela. Eu estava dentro desse carrinho sobre a ponte rolante, na companhia de um empregado recém-contratado.

Exemplo de Ponte Rolante. (Internet / Divulgação)

Para iniciar a manutenção, fiz o isolamento da área, conforme recomendação dos cursos técnicos que a empresa nos disponibilizava, prevenindo que se algo caísse lá de cima, não iria ferir alguém circulando embaixo, o que de fato havia, pois a equipe da manutenção elétrica também fazia seu trabalho simultaneamente, algo que não deveria acontecer. 

Nunca me esqueço de, naquele momento, passar o seguinte pela minha cabeça: o que começa errado, termina errado. Mesmo com aquele sentimento, ou seja, com a minha intuição me alertando, segui com meu trabalho na ânsia de finalizá-lo de forma rápida e eficiente. 

Coloquei o cinto de segurança que nos prendia ao carrinho e pedi ao rapaz que fizesse o mesmo. Naquela época não era obrigatório o uso de linha de vida para trabalhos em altura, que nos prendesse a uma estrutura fora da ponte, o que certamente teria evitado esta história.

À medida que partes do equipamento iam sendo montadas, os testes mecânicos e elétricos eram feitos, até que a ponte fez um movimento involuntário e as 6 toneladas de máquina despencaram 15 metros de altura com a gente preso a ela. No instante em que a ponte saiu do trilho eu gritei e pensei que iria morrer, antes mesmo de chegar ao chão. Pensava na minha família, esposa e filha de 5 anos e como elas ficariam sem mim

Depois do impacto, minha lembrança é de ouvir uma voz me perguntar: Você quer viver? Respondi que sim. Então, ouvi uma nova pergunta: Seja como for, vai aceitar como você vai ficar? E, mais uma vez, eu assenti. Eu não queria morrer!

Eu estava consciente e chamei pelo rapaz que estava comigo, que gritou de dor e desespero até chegar ao ponto de desmaiar e, por isso, foi levado primeiro pelos socorristas. Ao meu redor uma poça de sangue ia se avolumando. A segunda ambulância demorou a chegar e, quando vieram, estavam com receio de entrar embaixo da estrutura. Um amigo me retirou e me levou para a maca. Percebi que a paramédica estava muito aflita com o estado da minha perna e amarrou meu pé de forma errada, fazendo com que ele caísse ao longo do trajeto.

Minha perna esquerda foi completamente esmagada. Quando eu a vi, pensei que não teria como arrumar. Perguntei ao médico se eu seria amputado e o médico me disse apenas para me concentrar em viver. Depois vi meu irmão indo de encontro ao médico e ouvi quando ele lhe disse para se despedir de mim, pois eu não voltaria vivo da sala de operação. Meu irmão chorava muito. Nas cinco horas que se sucederam ao acidente eu já tinha o aspecto de rigor mortis, com meu corpo ficando branco acinzentado, chegando a perder 80% do volume de sangue do meu corpo. Sentia muito frio e a dor era intensa. Eu sabia que ia morrer. Sem mais forças para lutar, fechei meus olhos e sucumbi a dor. Entrei em coma.

Foto: Lucas Hallel

Acordei 45 dias depois. Fiquei hospitalizado outros 45 dias até a amputação acima do joelho e demais procedimentos. Todos os órgãos do meu corpo se deslocaram, o que deixou os médicos apreensivos sobre como os colocariam no lugar, porém, eles naturalmente voltaram para a posição original. Creio muito em Deus e acredito que o que me restaurou foi o grande amor e misericórdia Dele. Eu sentia que estava pronto para uma nova vida. Deus tinha me dado uma nova chance e eu iria aproveitar cada segundo! Era o que eu sentia. Era o que eu pensava. O pior já me aconteceu, pois eu quase perdi a minha vida! O que poderia dar mais errado?

Tentei seguir com a minha vida. Fui reabilitado pelo INSS e então realocado para a área administrativa, a fim de trabalhar com as regulamentações e adequações exigidas para a prevenção de outros acidentes. Fiquei na empresa por mais 5 anos e depois fui dispensado. Por meio de um acordo judicial, eles promovem a manutenção da minha prótese com joelho eletrônico, cerca de 38 mil reais mensais. A prótese, que custa 135 mil reais, bem como a manutenção, não são fornecidas pelo SUS e este custo recai sobre o contratante.

O rapaz que estava comigo teve múltiplas fraturas pelo corpo. E se eu não tivesse isolado a área antes de iniciar a manutenção, outras 20 pessoas também teriam tido uma história trágica. Quanto a empresa, após o acidente, a Delegacia Regional do Trabalho fez uma vistoria minuciosa, encontrou não-conformidades e embargou a empresa para que esta se adequasse aos normativos, tendo sua produção parada por quase 6 meses

Para quem leu esse texto até aqui, pode parecer que esse período de adaptação e retorno à vida e ao trabalho tenham sido algo relativamente tranquilo, mas foi bem longe disso. A verdade é que eu não estava preparado para enfrentar as consequências dessa nova e sombria realidade que me aguardava. Mas quem está? Ou, pelo menos, quem acha que está? Passei meses hospitalizado e, mesmo quando fui para casa, tive que enfrentar o difícil processo de readaptação. A gente leva um tempo para conseguir fazer coisas que fazia antes sem nem pensar a respeito, como a simples locomoção da sala para a cozinha para tomar um copo de água. No início, é tudo mais difícil! Além das questões de saúde, ainda tinha que lidar com questões jurídicas e tantos outros transtornos burocráticos que um acidente de trabalho causa na vida de um profissional. Tudo isso vai somando ao sofrimento, à raiva, à frustração, às dificuldades e aos problemas

Os impactos desse acidente foram muito além da perda da minha perna esquerda. Os reais efeitos dessa situação começam a aparecer no dia a dia dessa nova realidade. O emocional pesa e, como eu disse antes, as pequenas coisas começam a se somar, se tornando grandes. Quando eu achava que não havia como piorar, descobri que o buraco era ainda mais profundo. Em determinado momento, me vi perdido, beirando a insanidade. Vi meu casamento de 13 anos desmoronar, deixando minha filhinha muito abalada. Entrei em depressão e, como se não bastasse tudo isso, minha renda já não era o suficiente para o sustento da família. Enfim, o cenário era devastador. Por muito pouco eu não fui morar na rua. 

Seja como for, vai aceitar como você vai ficar? Essa pergunta me martelava e eu tinha dito que sim! Eu tinha me comprometido com minha segunda chance e decidi que não iria desperdiçar. Cansei de sofrer e de ser vítima. Fui ao fundo do poço e lá encontrei forças para subir novamente. Hoje, aos 47 anos, me reergui. Me casei outra vez e tenho mais 2 filhos. Corri atrás, abri minha própria empresa e trabalho com serralheria e usinagem. Aprendi com toda essa experiência que os acidentes de trabalho, principalmente na minha área de atuação, parecem estar sempre na espreita, esperando uma falha, uma desatenção. Esperando que algo comece errado para terminar errado. Para se ter uma ideia, em um outro evento, eu também quase perdi uma das minhas mãos e cheguei a ver um colega ter seu braço arrancado pelo ombro. É uma área muito ingrata, pois poucos são os profissionais que chegam ao final de suas carreiras sem sequelas laborais.

Anderson com as esposa Ângela e os filhos Daniel e Sophia / Foto: Lucas Hallel

Aprendi também que um acidente de trabalho nunca é um ato isolado, mas parte de todo um conjunto de ações. Um sincronismo entre patrão e empregado, com cada um fazendo com responsabilidade aquilo que lhe é pertinente. O acidente é o resultado da soma de uma série de coisas que quase aconteceram antes. O acidente está sempre à espreita, esperando uma falha nossa. Um acidente pode destruir uma família inteira e mudar para sempre uma vida. Eu tive uma segunda chance e tive forças para suportar todas as dores e superar as dificuldades. Tive fé, resiliência e venci, mas tenho consciência que nem todos conseguem. 

Anderson com as esposa Ângela e os filhos Sophia e Daniel / Foto: Lucas Hallel

Espero que, ao contar a minha história, eu consiga ajudar outras pessoas a refletirem e entenderem a importância da Segurança do Trabalho e as diversas consequências que um acidente pode trazer que, como pude relatar nesse texto, não foram poucas. Há quem sobreviva ao acidente, mas nem sempre ao que acontece depois dele.

Vale a reflexão.


Vozes da Segurança – Histórias Reais é uma campanha de conscientização criada pela ERPLAN com o objetivo de Preservação da Vida. Nosso intuito é compartilhar experiências e ajudar a sociedade a tomar consciência das consequências de um acidente de trabalho para que, juntos, possamos pensar em maneiras eficientes de praticar a prevenção.

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